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Artigo - Reciclagem de pneus inservíveis: avanços, aplicações e perspectivas no Brasil

Artigo - Reciclagem de pneus inservíveis: avanços, aplicações e perspectivas no Brasil

A composição química dos pneus é basicamente composta por substâncias tóxicas que podem contaminar as águas subterrâneas.

Reciclagem de pneus.
Laerte Scanavacca Júnior*

 

Embrapa - 03/10/25   Estudos socioeconômicos e ambientais  Gestão ambiental e territorial - 

Foto: Laerte Scanavaca Júnior

Cerca de quatro bilhões de pneus são produzidos e um bilhão são descartados anualmente no mundo. No Brasil são produzidos 40 a 50 milhões e descartados 100 milhões de pneus por ano. O descarte inadequado de pneus inservíveis representa um dos maiores desafios ambientais e de saúde pública da atualidade, dado seu caráter não biodegradável e os riscos de contaminação do solo, da água e da atmosfera.

Este artigo tem como objetivo apresentar um panorama da reciclagem de pneus, abrangendo aspectos legais, processos tecnológicos disponíveis e suas aplicações em diferentes setores, com ênfase na construção civil e na indústria calçadista. A metodologia adotada baseou-se em revisão bibliográfica de artigos científicos, legislações e relatórios institucionais. Os resultados indicam que, embora avanços significativos tenham sido alcançados por meio da logística reversa e da atuação de entidades como a Reciclanip, ainda existem entraves técnicos e econômicos a serem superados. O estudo conclui que a reciclagem de pneus possui alto potencial de expansão no Brasil, desde que articulada a políticas públicas mais rigorosas e ao desenvolvimento de novas tecnologias de reaproveitamento.

São produzidos anualmente cerca três a quatro bilhões de pneus e descartados 800 a 100 milhões. No Brasil produzidos 40 a 50 milhões e descartados 100 milhões de pneus por ano (Reciclanip, 2025). O aumento da frota de veículos automotores tem levado ao crescimento exponencial da geração de pneus inservíveis. Estima-se que um pneu possa levar até 600 anos para se decompor no ambiente, tornando-se um resíduo de difícil manejo. Quando descartados de forma inadequada, os pneus podem acumular água, favorecendo a proliferação de vetores de doenças como dengue, zika e chikungunya. Além disso, a queima irregular libera gases tóxicos e metais pesados, comprometendo o ar e a saúde pública.

A composição química dos pneus é basicamente composta por substâncias tóxicas que podem contaminar as águas subterrâneas.

Um pneu é um produto bastante complexo, feito a partir da combinação de borracha natural (20 a 30%, dá elasticidade, resistência mecânica e capacidade de suportar cargas), borracha sintética (25 a 30%, garante maior resistência e abrasão, estabilidade térmica e durabilidade), negro de fumo (25 a 30%, reforço da borracha, aumenta a resistência ao desgaste e dá a cor preta característica), aço (10 a 15%, presente nas cintas e talões, garante resistência estrutural e forma do pneu), têxteis [poliéster, nylon, rayon e aramida (3 a 8%, reforços que dão flexibilidade e resistencia) e óleos, resinas, enxofre, antioxidantes, sílica e aditivos diversos (5 a 10%, usados no processo de vulcanização e para melhorar o desempenho, como aderência, durabilidade, eficiência energética). A composição varia conforme o tipo de pneu (carro de passeio, caminhão, avião, etc.) (Brasil, 2020).

Nesse cenário, a reciclagem de pneus surge como estratégia central dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, que estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. O presente artigo apresenta um panorama sobre os principais processos de reciclagem de pneus no Brasil e no mundo, suas aplicações tecnológicas, bem como desafios e perspectivas futuras.

De acordo com a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP), o Brasil vendeu mais de 53,8 milhões de pneus por ano (mercado de reposição + equipamentos originais). Em 2020, foram coletadas e destinadas corretamente mais de 380 mil toneladas de pneus inservíveis, o que corresponde a cerca de 42,2 milhões de unidades de pneus de carro de passeio. Assim, estima-se que o descarte anual de pneus velhos no Brasil seja da ordem de dezenas de milhões de unidades por ano; algo em torno de 40-50 milhões de pneus, considerando veículos de passeio e pesados, quando se fala de descarte (destinação ambientalmente correta), ou seja, mais de 60% descartados incorretamente. No mundo são produzidos de 1,5 a 2,5 bilhões de unidades anualmente, o que corresponde a 19,25 milhões de toneladas anuais. O descarte é estimado em 1,5 bilhões de pneus (cerca de 60% da produção anual).

O Brasil foi um dos primeiros países a estabelecer normas específicas para pneus inservíveis. A Resolução Conama nº 258/1999 atribuiu a fabricantes e importadores a responsabilidade pela destinação final ambientalmente adequada. Posteriormente, a Resolução Conama nº 416/2009 ampliou as exigências, obrigando a coleta e destinação de 100% dos pneus comercializados (Conama, 2009).

Em complemento, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) reforçou o princípio da logística reversa, obrigando fabricantes, comerciantes e distribuidores a participarem ativamente do recolhimento e destinação desses resíduos. A partir dessas diretrizes, surgiu a Reciclanip, entidade criada em 2007 pelas principais fabricantes de pneus, responsável por articular a coleta em ecopontos. Em 2019, a Reciclanip já havia recolhido mais de 470 mil toneladas de pneus inservíveis (Reciclanip, 2020).

Apesar dos avanços, os pontos de coleta ainda são insuficientes frente à dimensão territorial e ao crescimento da frota nacional.

A reciclagem de pneus pode ser classificada em três grandes grupos:

Processos mecânicos

Incluem a trituração, laminação e moagem para obtenção de pó de borracha. O material pode ser incorporado em asfalto-borracha, artefatos de borracha, solados de calçados e materiais de construção.

Processos energéticos

O coprocessamento em fornos de cimento é um dos destinos mais comuns, utilizando a borracha como combustível alternativo [8,3 a 8,5 KWh (1KWh = 3,6 MJ)]. A pirólise também se destaca, permitindo a recuperação de óleos, gás combustível e negro de fumo, embora ainda apresente desafios de viabilidade econômica.

A recapagem, recauchutagem e remoldagem permitem ampliar a durabilidade dos pneus antes de se tornarem inservíveis. Esses métodos reduzem custos, economizam energia e retardam a necessidade de destinação final.

Uma recauchutagem para caminhões/ônibus costuma sair por cerca de 30% do valor de um pneu novo. Para veículo leves, o valor de recapagem é de 20 a 25% do valor de um pneu novo, dependendo da marca, região etc. A recapagem é até 40% mais barata que um pneu novo equivalente. Segundo a Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABRP), um pneu novo normalmente tem vida útil de 50-60 mil km, enquanto um recauchutado dura aproximadamente 25-30 mil km nas mesmas condições. Há estimativas mais otimistas: se o pneu recauchutado for de alta qualidade, bem mantido, usando carcaça boa, a vida útil pode atingir cerca de 75% da vida de um novo.

Aplicações Tecnológicas

- Construção civil

A construção civil é um dos setores que mais se beneficia da reciclagem de pneus. Estudos demonstram a viabilidade de utilizar resíduos de borracha em concretos e argamassas, resultando em melhor isolamento térmico e acústico, além de redução da densidade. Outras pesquisas comprovam a aplicação em tijolos de concreto, com resistência à compressão adequada às normas da ABNT.

- Indústria calçadista

A incorporação de pó de pneu em compostos de borracha para a produção de solados tem demonstrado ganhos de competitividade econômica e redução de custos, ainda que com pequenas perdas de propriedades físicas.

- Pavimentação e geotecnia

O asfalto-borracha e o uso em obras geotécnicas representam alternativas de alto impacto positivo, conferindo maior durabilidade aos pavimentos e reduzindo a necessidade de extração de agregados naturais.

Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar do avanço das tecnologias, alguns entraves ainda dificultam a expansão da reciclagem de pneus no Brasil:

- Custo elevado dos processos de pirólise e regeneração da borracha.

- Baixa capilaridade dos ecopontos e limitações logísticas.

- Desafios técnicos relacionados à perda de propriedades mecânicas quando a borracha substitui agregados no concreto.

No entanto, as tendências globais apontam para o fortalecimento da economia circular e o estímulo à inovação tecnológica, como a busca por novos ligantes e compósitos que incorporem resíduos de pneus.

O que o governo poderia fazer para melhorar?

O governo tem que tomar as iniciativas necessárias para a melhoria da reciclagem ou diminuição dos descartes incorretos dos pneus inservíveis, antes da política de reciclagem (Resolução Conama 416/09) o Brasil reciclava somente 10% dos pneus, hoje está por volta de 35%, mas podemos melhorar se:  

- Expansão da cobertura da logística reversa: Embora a logística reversa esteja presente em diversos municípios, é importante garantir que todos os municípios, especialmente os de menor porte, tenham acesso a pontos de coleta e destinação adequada dos pneus inservíveis;

- Incentivo à reciclagem local: Estabelecer parcerias com prefeituras para disponibilizar áreas de armazenamento temporário e promover campanhas de conscientização sobre a importância da destinação correta dos pneus;

- Fortalecimento da fiscalização: Aumentar a fiscalização sobre a destinação final dos pneus inservíveis, garantindo que as empresas cumpram as obrigações estabelecidas pela legislação e evitando o descarte inadequado;

- Promoção de tecnologias sustentáveis: Incentivar o desenvolvimento e a adoção de tecnologias que permitam o reaproveitamento dos pneus inservíveis em diferentes setores, como construção civil, pavimentação e geração de energia, contribuindo para a economia circular.

- Educação ambiental: Implementar programas de educação ambiental nas escolas e comunidades, destacando os impactos do descarte inadequado de pneus e a importância da reciclagem para a saúde pública e o meio ambiente.

A reciclagem de pneus inservíveis constitui não apenas uma alternativa ambientalmente necessária, mas também uma oportunidade econômica e tecnológica. O Brasil avançou em termos legais e estruturais, especialmente com a logística reversa, mas ainda carece de políticas de incentivo à inovação e à ampliação da rede de coleta.

Os resultados mostram que há um vasto potencial para ampliar a destinação nobre de pneus inservíveis, em especial na construção civil, na pavimentação e na indústria calçadista. A integração entre governo, setor produtivo e instituições de pesquisa é fundamental para superar os desafios existentes e promover soluções sustentáveis.

*Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente desde 2002. Graduação em Engenharia Florestal, Mestre em Ciências Florestais e Doutor em Tecnologia de Produtos Florestais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).

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