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Corrida mundial pela sucata de alumínio pode comprometer reciclagem no Brasil, diz CEO da Abal

Corrida mundial pela sucata de alumínio pode comprometer reciclagem no Brasil, diz CEO da Abal

Segundo Janaina Donas, com a demanda mundial de alumínio crescendo, países como a China estão ampliando capacidade de reciclagem e importando mais sucata do Brasil

Estadão - Por Eduardo Geraque  - 27/10/2025 | 11h00 - Foto: Tiago Queiroz/Estadão
 

Entrevista comJanaina DonasPresidente-executiva da Abal

A reciclagem de alumínio é um caso de sucesso no Brasil, mas ainda há desafios importantes a superar. Segundo Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), a exportação de sucata é uma das principais preocupações, pois impede o país de atingir todo o seu potencial de reciclagem. Enquanto isso, países como a China utilizam em suas linhas de produção alumínio - ou restos dele - importados do Brasil.

“O Brasil possui capacidade instalada superior ao volume processado: em 2024, foram recicladas cerca de 645 mil toneladas, embora a capacidade ultrapasse 1 milhão. A disputa global por sucata é um dos principais entraves. Com a demanda mundial de alumínio crescendo rapidamente, países como a China estão ampliando suas capacidades de reciclagem e importando sucata para atender à demanda”, diz.

Para Janaina, a COP-30 em Belém será uma oportunidade para mostrar ao mundo que o Brasil tem um dos alumínios mais sustentáveis do mundo - com baixa pegada de carbono, alto índice de reciclagem e uma cadeia circular que gera benefícios ambientais e sociais. “O setor quer destacar que o alumínio é parte da solução para a descarbonização global e que o País pode se consolidar como potência em reciclagem e reindustrialização verde, com protagonismo na transição energética.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Para você

Quais são hoje os principais desafios para a descarbonização do setor de alumínio no Brasil?

Apesar de o Brasil ter uma intensidade carbônica (a quantidade de gases emitida na atmosfera) 3,3 vezes menor que a média global, ainda há espaço para avanços. O principal desafio está na substituição de combustíveis fósseis nas refinarias, onde a biomassa, como cavaco de eucalipto e resíduos do açaí, já vem sendo usada para reduzir emissões. Há também desafios tecnológicos, como o uso de ânodos inertes, a captura de carbono e a melhoria da rastreabilidade do alumínio - fundamental para comprovar práticas sustentáveis e acessar mercados que pagam prêmio pelo “alumínio verde”. Outra frente essencial é a formalização e o financiamento da cadeia de reciclagem, garantindo escala e inclusão dos catadores. Além disso, é necessário ampliar a circularidade, com uso mais eficiente de recursos como água e energia.

Existem avanços para aprimorar essa rastreabilidade? E por que isso é importante?


A rastreabilidade é um diferencial comercial, já que o alumínio com certificação de origem limpa recebe um prêmio de mercado no exterior. Para isso, é preciso comprovar a origem, o processo produtivo e o conteúdo reciclado do metal. O Brasil já avançou nesse sentido, mas ainda há lacunas, especialmente na gestão da sucata. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) iniciou um sistema pioneiro de rastreabilidade, inicialmente voltado ao plástico e agora expandido para o alumínio. Essa iniciativa é essencial para alinhar políticas públicas, como o programa Mover, que incentiva o uso de materiais reciclados na indústria automotiva. Ou seja, estamos no caminho certo, mas ainda é preciso integrar melhor os esforços.

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O alumínio é fundamental em setores-chave para a descarbonização - embalagens, transportes, construção civil, bens de consumo, maquinário e eletricidade. Esses segmentos devem registrar aumento de demanda global entre 40% e 55% até 2030. O metal contribui diretamente para reduzir emissões: no transporte, garante leveza, durabilidade e resistência à corrosão, aumentando a eficiência energética; em painéis solares e cabos elétricos, amplia a infraestrutura de energia limpa. O alumínio brasileiro, produzido com 90% de energia renovável, tem uma das menores pegadas de carbono do mundo, resultado de decisões estratégicas e de uma matriz energética limpa. Assim, é essencial tanto para a descarbonização industrial quanto para o cumprimento das metas climáticas globais.

O Brasil pode ser considerado uma potência na reciclagem de alumínio?

Ainda há desafios relacionados à informalidade e à falta de instrumentos financeiros que permitam à cadeia de reciclagem ganhar escala. O País possui capacidade instalada superior ao volume processado: em 2024, foram recicladas cerca de 645 mil toneladas, embora a capacidade ultrapasse 1 milhão. A disputa global por sucata é um dos principais entraves. Com a demanda mundial de alumínio crescendo rapidamente, países como a China estão ampliando suas capacidades de reciclagem e importando sucata para atender à demanda. O risco é que o Brasil, recentemente autossuficiente, volte a perder competitividade se continuar exportando esse insumo estratégico.

Por que a disputa global por sucata está se intensificando?

Porque o alumínio reciclado é a forma mais rápida e sustentável de aumentar a oferta global. A produção primária exige grandes investimentos, energia barata e matérias-primas como bauxita e alumina - nas quais o Brasil tem vantagem: é o quarto país em reservas de bauxita, o terceiro em produção de alumina e o nono em alumínio primário. No entanto, no curto prazo, há uma corrida mundial pela sucata. Países asiáticos, especialmente a China, estão restringindo a produção a carvão e importando sucata para acelerar sua transição energética. Essa corrida pode comprometer a autossuficiência brasileira se não houver uma política de retenção de material reciclável.

A China é uma peça importante nesse cenário?

Há cerca de 20 anos, a China transformou a cadeia global do alumínio ao investir maciçamente na produção primária do metal. O excedente, exportado a preços abaixo do mercado, levou vários países - incluindo o Brasil - a adotar medidas de defesa comercial contra os subsídios chineses. Hoje, as barreiras comerciais se concentram nas questões ambientais, já que a produção chinesa é altamente dependente do carvão. Diante disso, a China passou a reduzir sua produção primária e investir fortemente em reciclagem, atingindo capacidade de cerca de 22 milhões de toneladas - muito acima da brasileira, de aproximadamente 1 milhão, embora o Brasil tenha índice de reciclagem mais eficiente. A estratégia chinesa inclui importar sucata e limitar exportações, buscando metas ambiciosas de reciclagem e eletrificação mais limpa. Organismos internacionais já alertam para um possível déficit global de alumínio a partir de 2026. Caso o Brasil continue exportando sucata, pode comprometer sua autossuficiência e os avanços em rastreabilidade e sustentabilidade - preocupação também de Estados Unidos e União Europeia.

Exportar sucata pode ser economicamente vantajoso no curto prazo, mas o País perde no longo prazo?

Exatamente. Quem ganha são apenas os intermediários, enquanto o País perde sua vantagem competitiva de ter um alumínio verde, com alta taxa de reciclagem e baixa pegada de carbono. Exportar sucata é enviar embora um insumo estratégico essencial para a reindustrialização verde, que depois retorna como produto acabado competindo com a indústria nacional. Por isso, não se defende uma proibição total, mas uma política estratégica. Mais de 20 países já adotaram algum tipo de restrição à exportação de sucata - por proibição, sobretaxa ou prioridade à indústria local. O Brasil precisa discutir esse tema com urgência.

Quais motivos tornaram a reciclagem das latas no Brasil um case mundial?

O alumínio é infinitamente reciclável sem perder suas propriedades, o que garante uma vantagem enorme em termos de circularidade. Hoje, cerca de 60% do alumínio consumido no Brasil vem da reciclagem, contra 33% na média global. No caso das latas, o índice supera 95% há mais de 15 anos. Esse sucesso resulta de investimentos pioneiros desde os anos 1990, de políticas públicas de coleta e logística reversa e do papel social dos catadores. Além disso, a reciclagem consome 95% menos energia do que a produção primária, reduzindo drasticamente as emissões. É um modelo que combina competitividade, sustentabilidade e inclusão social.

Qual será a participação do setor de alumínio na COP-30?

A COP-30 é uma oportunidade para mostrar que o Brasil tem um dos alumínios mais sustentáveis do mundo - com baixa pegada de carbono, alto índice de reciclagem e uma cadeia circular que gera benefícios ambientais e sociais. O setor quer destacar que o alumínio é parte da solução para a descarbonização global e que o país pode se consolidar como potência em reciclagem e reindustrialização verde, com protagonismo na transição energética.

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